sexta-feira, 19 de setembro de 2014


    De repente, entre estudos camonianos, uma voz se aproxima, "eu vou lá ver a Mariana!", e entram no quarto os olhos mais azuis e mais tristes que me viram crescer. Nazaré, uma senhorinha de seus sessenta e alguns anos, que trabalha na casa da minha avó. 
    "Vem cá, Naza! Senta comigo pra gente estudar", brinco.
    "Quem dera estudar, minha filha."
    "... Então vem cá que eu leio pra você."
   Ela senta na cama em frente à em que estou e, não sei bem como, a partir da nossa conversa, começa a contar de seus filhos, de sua casa, de seu primeiro marido, que "não valia um centavo", e de Tomazinho.
    "O José Tomás foi meu segundo marido, mas eu só chamava de Tomazinho. Com ele, sim, eu fui feliz. Ficamos casados treze anos. Os vizinhos falavam que não tinha casal no mundo como a Dona Nazaré e o seu Tomás. Uma vez, ele estava aqui na praça Nossa Senhora da Paz me esperando, conversando com uma gringa no banco. Eu fui chegando perto e ouvindo um tal de 'lóvi, lóvi'. 'Olha aí meu docinho de coco!', ele disse quando me viu. Aí a gringa levantou e veio me dizer 'A senhora é a Nazaré? Pois saiba que se seu nome fosse de sorvete, já teria derretido na boca do seu marido'".
    Quatro olhos claros se enchem d'água.
    "O Tomazinho era tão bom pra mim, Mariana. Se ele ainda estivesse vivo, a gente estava em João Pessoa. Ele brigava comigo que eu já tinha trabalhado muito, que a gente ia comprar uma casinha e um carro e viver passeando. A gente só estava esperando ele se aposentar.
    "Ele não me deu trabalho nenhum, foi ao banco, arrumou tudo, me deixou com a minha casinha. Em duas semanas, o câncer acabou com ele. Tão forte, ficou magrinho magrinho, nem parecia aquele meu Tomazinho."
    A essa altura, já estou abraçada com ela, beijando seu cabelo branco de que sou fã e tentando, talvez por concorrência desleal com as dela, segurar minhas lágrimas. 
    Depois de mais alguma conversa, desconcertada de minha parte, e de a Nazaré me alertar sobre como é ruim ser velho e sobre como é importante sermos pessoas bacanas, porque "o mundo dá tantas voltas", ela me diz para eu estudar, que serei "uma grande menina, maior do que já é!", vai embora do quarto e me deixa completamente impossibilitada de me importar com quaisquer excursos que não sejam os dela, poeta da minha tarde, e de tantas outras tardes de bolos e lições inesperadas.
    Nazaré, Nazaré, há tantos jeitos de ser grande muito mais importantes do que lendo meia dúzia ou zilhões, que sejam, de textos acadêmicos. Espero que um dia eu seja grande assim como você.

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